Confidencialidade e não concorrência nos contratos de vendedores e representantes comerciais

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Dra. Fabiana Flores | OAB/SC 50728

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9 min.

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November 19, 2025

Atualizado em:

November 19, 2025

Uma das maiores preocupações das empresas que atuam com equipes comerciais é até que ponto podem impedir que os vendedores levem consigo a carteira de clientes ao se desligarem da empresa.

A resposta exige cautela jurídica e equilíbrio entre o direito de proteção do patrimônio empresarial e a liberdade profissional do trabalhador.

Cláusula de confidencialidade X Cláusula de não concorrência

Embora muitas vezes tratadas como sinônimos, as duas cláusulas têm naturezas e finalidades distintas:

A cláusula de confidencialidade (art. 482, “g”, da CLT1 e art. 195, XI, da Lei da Propriedade Industrial²) serve para proteger informações estratégicas da empresa, como por exemplo, a carteira de clientes, as políticas de preço, as condições comerciais, entre outros.

Essa cláusula é fundamental nos contratos de trabalho e prestação de serviços, por ser um dos instrumentos mais relevantes para a proteção do patrimônio imaterial da empresa, especialmente em relações que envolvem acesso a informações estratégicas.

Ao incluir essa previsão contratual, o empregador ou contratante garante o dever de sigilo já previsto em lei, assegurando que conhecimentos e informações sensíveis não sejam utilizados de forma indevida durante e após o término da relação profissional, pois mesmo após o desligamento, o profissional terá o dever de sigilo quanto as informações sensíveis da empresa.

O objetivo da cláusula de confidencialidade é proteger o know-how e os dados sensíveis que compõem o patrimônio intangível do negócio.

Mais do que uma formalidade, a cláusula de confidencialidade é uma barreira jurídica contra o uso indevido de dados e estratégias de negócio, respaldada pela CLT e pela Lei da Propriedade Industrial.

Confidencialidade nos contratos de vendedores

Já a cláusula de não concorrência tem outro foco: restringir a atuação do vendedor ou representante comercial em atividades que concorram diretamente com a empresa, seja durante o vínculo contratual ou por determinado período após o seu término.

Essa limitação busca proteger o legítimo interesse empresarial na preservação de sua clientela e de informações estratégicas, sem, contudo, inviabilizar o exercício profissional do trabalhador.

A validade da cláusula decorre de princípios como o da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil3) e da liberdade de contratar (art. 4214), além das questões afetas a não concorrência, previstas na Lei de Propriedade Industrial (art. 1955).

Deve, ainda, respeitar critérios de proporcionalidade, limitação temporal e territorial e, no caso de restrições pós-contratuais, compensação financeira adequada, sob pena de ser considerada abusiva à luz do art. 5º, XIII6, da Constituição Federal, que assegura o livre exercício profissional.

Em linhas gerais, para que a cláusula de não concorrência seja considerada válida,é indispensável que observe critérios objetivos de proporcionalidade e razoabilidade, reconhecidos pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entre eles, destacam-se:

a) Prazo limitado: o STJ entende que cláusulas de não concorrência sem limitação temporal são anuláveis, por restringirem de forma desproporcional a liberdade profissional;7

b) Delimitação territorial: a restrição prevista pela cláusula de não concorrência é valida, desde que limitada espacial e temporalmente;8

c) Atividade abrangida: a cláusula deve definir com clareza o tipo de atividade protegida. Proibições amplas ou genéricas, que impeçam o exercício de qualquer função pelo vendedor ou representante, tendem a ser invalidadas judicialmente;

d) Compensação financeira proporcional durante o período de restrição: em situações onde há vinculo de emprego (CLT), a cláusula poderá ter sua validade condicionada se acompanhada de indenização proporcional ao período de não concorrência. Já nas relações cíveis e comerciais, a compensação nem sempre é exigida, mas pode ser bem-vinda em casos de restrições mais severas, para reforçar a sua validade.

A ausência desses requisitos pode levar à anulação da cláusula, por violação ao princípio da livre iniciativa e ao direito ao livre exercício profissional previsto no art. 5º, XIII, da Constituição Federal.9

Em síntese, proteger o ativo comercial da empresa sem restringir indevidamente o direito ao trabalho exige contratos equilibrados, redigidos com técnica jurídica e sensibilidade negocial — tarefa que deve ser conduzida por profissional habilitado e atento às nuances legais do tema.

Como proteger a carteira de clientes da empresa sem ferir o direito do colaborador

A carteira de clientes é um ativo comercial estratégico, fruto de investimento, tempo e reputação. Para protegê-la de forma legítima, recomenda-se:

a) Formalizar contratos escritos com cláusulas claras de confidencialidade;

b) Restringir o acesso a informações comerciais apenas a quem realmente necessita;

c) Utilizar políticas internas e sistemas de controle de dados;

d) Prever cláusula de não concorrência equilibrada

e) Registrar evidências de propriedade e esforço empresarial na formação da carteira.

Assim, é possível resguardar o patrimônio comercial da empresa sem limitar indevidamente a liberdade profissional do vendedor ou representante.

Conclusão

Em resumo: proteger é legítimo — restringir demais, não.

O que sustenta uma relação contratual saudável é a boa-fé, o bom senso e a clareza dos termos pactuados. Mais do que cláusulas restritivas, o que realmente protege a empresa e o profissional é um contrato bem redigido, equilibrado e construído sobre a confiança recíproca.

No fim das contas, o segredo está no equilíbrio contratual e na boa-fé das partes: fundamentos que garantem segurança jurídica, transparência e longevidade nas relações comerciais.

Fabiana Flores OAB/SC 50728

Notas de rodapé

1 Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: g) violação de segredo da empresa;

2 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços,excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

3 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

4 Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

5 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

6 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

7 REsp 2.185.015/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 05/08/2025

8 REsp 1203109-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/05/2025

9 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Perguntas Frequentes

Um vendedor pode levar a carteira de clientes quando deixa a empresa?

Não. A carteira de clientes é considerada um ativo estratégico da empresa, protegido por cláusulas de confidencialidade e pela legislação de concorrência desleal. Mesmo após o desligamento, o profissional mantém o dever legal de sigilo e não pode usar essas informações para benefício próprio ou de outra empresa.

Qual é a diferença entre cláusula de confidencialidade e cláusula de não concorrência?

A cláusula de confidencialidade protege informações sensíveis, como carteira de clientes, preços e estratégias — e permanece válida mesmo após o fim do vínculo. Já a cláusula de não concorrência restringe a atuação do profissional em empresas concorrentes por um período específico. Para ser válida, ela deve ter prazo, território e atividade bem definidos e, no caso de vínculo CLT, exigir compensação financeira proporcional.‍

O que a empresa pode fazer para proteger legalmente sua carteira de clientes?

A empresa pode proteger sua carteira por meio de contratos claros com cláusulas de confidencialidade, controle interno sobre o acesso às informações, registros que comprovem o esforço empresarial na construção da carteira e, quando apropriado, cláusulas de não concorrência equilibradas que reforcem a proteção sem gerar abuso contratual.

Escrito por

Dra. Fabiana Flores | OAB/SC 50728

Com especialização em Direito Empresarial e trajetória de liderança na OAB/SC, atua como Advogada com foco em gestão de empresas, assessoria jurídica empresarial e mentorias especializadas, além de litígios civis e trabalhistas.

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